Fui obrigada a sentar-me aqui e escrever antes que a adrenalina me sufocasse. Eu fiz. Eu me surpreendi.
Não sou filatelista, nem me ligo no assunto, mas sempre considerei e admirei os selos, como obras de arte. Então, nunca joguei um selo fora. Guardei-os todos, com os pedacinhos dos respectivos envelopes e coloquei-os sempre no envelope que me acompanha, com certeza há mais de 40 anos. Sempre achei que um dia eles teriam uma utilidade artesanal.
Esta semana tive o insight para sua utilização e agora há pouco abri o envelope e despejei o conteúdo pela primeira vez.
Não acreditei no que meus olhos viam, era tanto selo, mas tanto selo, que espalhei pelo chão, fotografei e ainda lá estão enquanto compartilho com meus leitores a surpresa diante do revelado.
Selos de várias épocas, comuns, sofisticados, vindo de vários estados e países. De contas a pagar, de notícias recebidas, de alegrias, tristezas, nem sei...
Enquanto espalhava-os para a indispensável foto, o coração acelerava e a mente cantava "Mensagem", música de Cícero Nunes e Aldo Cabral, sucesso que decolou na voz de Isaura Garcia, em 1959, e cuja interpretação magistral de Maria Bethânia, que mescla texto de Fernando Pessoa sempre me toca.
Também descobri que os selos do tempo que se colava com lambidas, soltam-se facilmente do papel, mas depois da invenção da cola branca, a coisa fica difícil...
Mensagem
Autores: Cícero Nunes – Aldo Cabral
Quando o carteiro chegou e o meu nome gritou
Com uma carta na mão
Ah! De surpresa, tão rude,
Nem sei como pude chegar ao portão
Lendo o envelope bonito,
O seu sobrescrito eu reconheci
A mesma caligrafia que me disse um dia
"Estou farto de ti"
Porém não tive coragem de abrir a mensagem
Porque, na incerteza, eu meditava
Dizia: "será de alegria, será de tristeza?"
Quanta verdade tristonha
Ou mentira risonha uma carta nos traz
E assim pensando, rasguei sua carta e queimei
Para não sofrer mais.
"Todas as cartas de amor são ridículas,
Não seriam cartas de amor, se não fossem ridículas
Também escrevi, no meu tempo,
cartas de amor como as outras, ridículas
As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas
Quem me dera o tempo em que eu escrevia,
sem dar por isso, cartas de amor ridículas
Afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor
é que são ridículas." (Fernando Pessoa)
Ouça
Mensagem